Violência Gratuita
Já fazia algum tempo que eu estava enrolando pra ver esse filme, em parte pela minha baixa tolerância a cenas de tortura física e em parte por falta de tempo mesmo. Mas eis que enfim resolvi assistir de uma vez, para diminuir minha lista de filmes para ver.
Violência gratuita (Funny games = jogos divertidos, no original) é um filme de 1997 que causou muito incomodo para todas as pessoas que o assistiram nos cinemas, nele não existem monstros, demônios, criaturas invocadas do inferno. Não, aqui o horror tem um rosto redondo e corado de um jovem rico do subúrbio.
O filme começa com uma família, pai, mãe e filho, que estão indo para uma casa de veraneio. Ao passarem pelos vizinhos, a mulher pergunta se eles podem ir ajudá-los com o barco mais tarde, ela nota que eles parecem nervosos e também percebe a presença de dois rapazes desconhecidos.
Um pouco mais tarde um dos rapazes aparece, acompanhado do vizinho para ajudar a descarregar o barco. E minutos depois o outro rapaz surge, dizendo que a vizinha pediu que fosse buscar alguns ovos. A família não desconfia, pois são dois rapazes de boa aparência e educação, acima de qualquer suspeita. E aqui está o truque.
A primeira vítima, como em qualquer filme de terror/suspense, é o cachorro. Nós não vemos a cena, mas os ganidos de dor do bicho são de dar calafrios. Isso acontece aos primeiro 20 minutos de um filme de 1h50 de duração.
Já vou adiantar aqui que se você espera um daqueles blockbusters que só tem violência e ação a partir dos primeiros cinco minutos, esse filme não é para você. A atmosfera é criada aos poucos, inserindo pequenos detalhes desconfortáveis, como agulhas muito finas sob nossas unhas, que começam como uma invasão do espaço alheio à privacidade da família até atingir o ápice perturbador.
Como eu já conhecia a premissa do filme, o assisti sob outra ótica, notando que todos os movimentos ditos como acidentais pelos dois rapazes, eram na verdade bastante calculados para isolar a família e proibi-los de pedir socorro.
Em algumas cenas acontece o que chamam de “a quebra da quarta parede” que é quando o personagem do filme interage diretamente com o espectador. E tal interação nos faz sentir que fomos tragados para aquele jogo doentio. Pois sim, para os dois tudo não passa de um jogo, uma brincadeira.
E conforme a história vai se desenrolando e novas informações vêm a tona, vamos descobrindo quão sádicos e doentios são esses dois jovens “aparentemente educados e de boa família” até culminar em um desfecho horrível e perturbador para a família refém.
O filme, que apesar de estar completando 30 anos este ano permanece contemporâneo e é mais do que nunca uma representação fiel da juventude atual, que são psicopatas sádicos e vazios e que atualmente, vêem em qualquer situação, por mais perturbadora que seja, a chance de filmar e transformar em um vídeo-viral. Pois bem, há trinta anos Michael Haneke nos deu um vislumbre de como jovens de classe alta entediados podem ser sádicos e doentios, pelo simples prazer que a dor a tortura e claro, o pavor causado em outras pessoas podem trazer.
Não é um filme fácil de assistir, a repugnância do comportamento dos dois invasores, pontuado pela educação polida de, “por favor,” e “obrigado” torna tudo ainda mais insuportável e a repulsa só aumenta conforme vemos o desenrolar da história.
Preciso dizer que este foi o primeiro filme em anos a me causar desconforto em um nível difícil de explicar e apesar de uma única cena que pode ser interpretada como fora de contexto para quem assiste pela primeira vez (apesar de eu ter entendido a mensagem por trás da tal cena), o filme como um todo é uma peça de pura perturbação e incomodo, um aviso para não nos deixarmos enganar pela boa aparência das pessoas e nem confiar que entrem em nossas casas, apenas por não aparentarem serem perigosas.
Este longa-metragem pode ser considerado o criador de um estilo que foi repetido à exaustão em franquias como Purge, mas este aqui é o original, o idealizador da premissa “estranhos te fazem de reféns dentro da sua própria casa”.
É um filme bem pensado, bem amarrado, bastante chocante, apesar das cenas de violência explícita serem mínimas, a carga de violência e terror psicológico que ele oferece compensa.
Curiosidades:
- A direção é de Michael Haneke, diretor austríaco notório por seus filmes polêmicos e perturbadores. Aqui ele ficou conhecido além de “violência gratuita”, pelo filme “A professora de piano”.
- O filme recebeu um remake hollywoodiano em 2007, o qual foi fracasso de bilheteria.
- Peter e Paul, os vilões de Violência Gratuita, gostam de referir a eles próprios como Tom e Jerry e, às vezes, como Beavis and Butt-Head;
- Os vilões usam a expressão: “Let´s Make a Deal” (Vamos fazer um acordo) de uma famosa série de TV americana, Let’s Make a Deal (1963). como referência;
- As cores e os tons usados pelo diretor de arte Hinju Kim fazem diversas referências ao filme de Stanley Kubrick, Laranja Mecânica (1971);
Olá, Anna me mandou vir buscar alguns ovos…
Comentários
Postar um comentário