Ninho de musaranho

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Cada dia que passa eu tenho me surpreendido mais com o cinema espanhol. Após ter assistido Para Elisa e achado a experiência mais interessante com a qual eu já tive contato fora da bolha cinematográfica hollywoodiana, eis que consigo repetir a dose com outro longa-metragem espanhol. Ninho de musaranho.
Vi a indicação sobre ele num dos canais sobre cinema que eu assino no youtube e preciso adiantar aqui que o filme vai muito além dos convencionais terrores popcorn que a gente acaba consumindo, indo atrás apenas de jump scares baratos. Não, este aqui tem várias camadas de dramas intercaladas nele.

É a história de duas irmãs, Montse e a irmã caçula (cujo nome não é dito em nenhum momento do filme). A mãe delas faleceu ao dar à luz a segunda filha, e Montse se tornou responsável por criar a menina. Ela trabalha como costureira em casa, onde cria belos modelos.
Existem alguns detalhes chave apresentados de forma enigmática no filme e que exigem um pouco de dedução do espectador. Motse é extremamente religiosa e agorafóbica (ou seja, tem pavor crônico de sair de casa), enquanto que a irmã mais nova não só sai de casa, como também tem um namorado, motivo que desperta a ira de Montse, a qual diz a outra moça que os homens são sujos e pensam em apenas uma coisa para arrancar das mulheres.

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Mas, as coisas começam a mudar quando o vizinho do apartamento acima do delas sofre um acidente, cai da escada e quebra a perna, batendo no apartamento das irmãs para pedir socorro. Apenas Motse está em casa e podemos ver o desespero dela ao tentar recolher o homem sem, no entanto, colocar mais do que a cabeça para fora da porta, por conta da agorafobia.
E com a presença do homem, que se chama Carlos, dentro do apartamento, vemos Montse florescer daquela casca de beata, para uma bela jovem. Inclusive, ela entra em contato com um médico por telefone, e começa a fazer exercícios para vencer a agorafobia.
A cena da primeira tentativa dela de por o pé para fora do apartamento é claustrofóbica e angustiante, culminando num terrível mal estar físico. Exatamente como acontece com as vítimas reais da doença.

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Mas há um detalhe que persegue a moça por todo o filme, o “fantasma” de seu pai, coloquei entre aspas, pois segundo ela conta a Carlos, o pai foi para a guerra há 14 anos e jamais retornou, mas, a imagem dele, certamente projetada pela culpa que Montse sente, misturada com traumas da infância, está sempre ali, para intimidá-la.
Ao mesmo tempo vemos como a irmã mais nova sofre como prisioneira num efeito colateral da doença de Montse, que a trata feito criança e apesar da moça ter completado 18 anos há alguns dias dentro do enredo do filme, a irmã mais velha se recusa a aceitar que a jovem um dia irá se casar e querer ter sua própria família.
E conforme o enredo vai se desenvolvendo vamos vendo o quão alucinada Montse está se tornando, para manter Carlos sob seu teto. A irmã mais nova faz visitas a ele durante a noite e em uma destas ocasiões desmente várias informações dadas pela irmã mais velha ao rapaz, como por exemplo, de que elas não tinham telefone e de que Montse havia chamado um médico. Tudo mentira.

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Carlos por sua vez também tem seus segredos, já que antes de sofrer o acidente, estava planejando sair do país, para fugir de uma situação que não fica bem explicada no primeiro momento. Ou seja, todos três personagens principais têm segredos. Inclusive a irmã mais nova, que sonha poder sair do apartamento e viver a própria vida. E então as coisas começam a fugir do controle quando o filme ruma para um desenrolar sombrio e sangrento.
Ninho de musaranho é um filme bastante cativante, que vai aumentando o grau de tensão aos poucos, nos fazendo ansiar por mais enquanto acompanhamos a sórdida história que esta se passando, além de colocar o dedo em feridas sociais bastante complexas que deixam marcas psicológicas perenes, mas de forma bastante simbólica e indireta, nos obrigando a deduzir por conta própria as coisas.
Com um elenco enxuto e um roteiro claro e limpo, sem espaço para muitos floreios rocambolescos, como gostam de fazer as produções hollywoodianas, este filme aqui é um verdadeiro banquete para os olhos aos fãs do terror psicológico com pitadas leves de violência física, desespero emocional, impulsividade humana e um gore ocasional.

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Podemos ver a evolução negativa de Montse, de uma mulher assustada e traumatizada, para uma criatura violenta e desesperada para manter tudo sob seu controle, não importa a que custo.
Vale dizer que eu notei sutis similaridades de roteiro do filme com outras duas produções americanas, são elas o livro/filme Misery/Louca Obsessão, de Stephen King sobre uma fã enlouquecida que mantém um escritor em cárcere privado e O que aconteceu com Baby Jane? No quesito relacionamento das irmãs, já que Montse vive um misto de amor e ódio pela irmã caçula. Mas, as similaridades são tão sutis que nem me atrevo a chamar de plágio.
E explicando, para quem está se perguntando o que é uma musaranha, segundo uma explicação feita dentro do próprio filme, são pequenos roedores que cavam túneis interligados criando um vasto labirinto subterrâneo. Costumam ser assimilados a toupeiras, por não gostarem da luz do sol ou de ter contato com o mundo exterior. E tal definição se encaixa, de forma metafórica na vida das irmãs. Montse impôs este estilo de vida recluso à irmã caçula e transforma o pequeno apartamento em seu labirinto de túneis subterrâneos particular.

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Enfim, este não é um filme para quem procura um terror barato apenas para passar o tempo, ninho de musaranho é um filme bastante tenso, com um enredo de fundo extremamente pesado, uma grande critica social e comportamental e um final igualmente impactante. Foi uma experiência bastante incomoda, mais pelo passado da personagem Montse, do que por todos os ocorridos horríveis que se desenvolveram em sua vida adulta.  
Ps.: E uma curiosidade, o filme também é conhecido pelo título de “sangre de mi sangre”.

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