It - a coisa (Capitulo 01)
Bom por onde começar esta review? Eu poderia dizer que fiz a maior parte das minhas anotações para ela dentro do cinema enquanto assistia ao filme, o que resultou em oito páginas de garranchos quase ilegíveis. Também poderia dizer que Stephen King é meu autor favorito e Pennywise, um dos vilões pelos quais eu tenho mais apreço ou ainda que assisti a primeira adaptação de 1990 quase 10 anos depois do seu lançamento!
Independente de qual destas abordagens eu escolhesse pra abrir esta review, acredito que não seria o suficiente para descrever como eu me senti assistindo ao remake, foi um misto de satisfação em ver pela primeira vez um remake ser tão fiel ao livro e o fascínio com a interpretação de Bill Skarsgard no papel de Pennywise.
Mas bem, para quem não está familiarizado com o enredo-base, segue aqui uma breve sinopse. Há cada 27 anos um mal ancestral desperta na cidade de Derry para se alimentar de carne humana e medo. Esta criatura é conhecida como A Coisa e toma muitas vezes a forma de um palhaço, Pennywise (ou Parcimonioso, na tradução) para atrair suas vítimas. Só que um grupo de sete crianças se une para derrotar a criatura e ai que a história realmente começa.
A primeira parte (porque para os que também não sabem, IT foi dividido em duas partes, a primeira cobrindo a infância e a segunda, a idade adulta dos personagens) se passa em 1988 (o ano que eu nasci!) e isso se deu para que a segunda parte acontecesse em 2015. Na versão de 1990 a primeira parte se passa em 1963. E por se passar em plenos anos 80 podemos ver uma série de referencias a cultura pop da época, seja um detalhe no fundo do cenário, como o pôster de “Os fantasmas se divertem” no quarto de Bill ou as músicas que Ben escuta (os The new kids on the block). Tudo isso serve pra criar a atmosfera de fundo e nos transportar para aquela época.
Logo no começo vemos Bill construindo um barquinho de papel para seu irmãozinho Georgie, (a S.S. Georgie) e como alguém que leu o livro informo aqui que a cena está totalmente fiel ao original. Em seguida acompanhamos o garotinho brincando com o barco na enxurrada da chuva, até que o brinquedo cai no bueiro. E aqui temos o primeiro contato com a Coisa. só que diferente da versão de 1990 feita por Tim Curry, o Pennywise de Skarsgard é bem mais sombrio e assustador, não se dando ao trabalho de fazer o garotinho rir ou confiar nele, mas sim, torturando-o pelo medo “Se você não voltar com o barco, Bill vai matá-lo”.
A cena que se segue é a amplamente conhecida dos fãs em que o menino enfia o braço no bueiro para recuperar o barco e acaba sofrendo uma amputação violenta por parte do palhaço. A diferença é que nesta versão não fica a cargo da nossa imaginação deduzir como foi a cena, não. Nós podemos ver claramente o garoto sem o braço, esvaindo-se em sangue e o corpo se contorcendo como um peixe fora d’água. É uma cena bastante chocante e explicita que nos prepara para o que virá a seguir.
Para quem foi ou está pensando em ir assistir achando que este será um filme cheio de gore e tripas voando pela tela, sinto informar, mas não é bem assim. Apesar da cena violenta e visceral no começo, o filme trabalha mais a vertente do terror psicológico, brincando com a mente dos personagens e dos espectadores no mesmo ritmo doentio. Claro que existem alguns jump scary (são aquelas cenas que surgem do nada e nos dão aquele susto passageiro), mas elas não são o foco do filme.
Outro ponto interessante é que, apesar de nenhum personagem ter dito a frase, o comportamento dos moradores de Derry transmite bem a ideia de “A Coisa é toda esta maldita cidade”, já que os adultos ao encontrarem as crianças em situação de assédio ou até abuso, apenas viram as costas, fingindo que não viram nada. Isso é bastante desenvolvido no livro, como a cidade inteira meio que foi infectada pela maldade da Coisa e se tornou insensível as crueldades sofridas pelas crianças.
Nesta versão Bill fica quase obcecado em descobrir o que aconteceu com o corpo do seu irmãozinho, tornando disso uma meta prioritária de vida, enquanto que seus pais tentam esquecer o caçula. E aqui é apresentado como o luto é um sentimento muito diferente para cada pessoa.
Aos poucos vamos conhecendo os personagens e com exceção do quarteto Bill, Richie, Stan e Eddie, os outros três, Ben, Beverly e Mike, não se conheciam até terem cada um deles um contato individual com a Coisa. O que me faz lembrar que as cenas de interação individual das crianças com a criatura são bem desenvolvidas, destaque para a minha favorita, quando jorra sangue da pia do banheiro de Beverly. Nesta versão não é apenas um pouco de sangue, mas uma quantia absurda, somada a fios de cabelos asquerosos que saem do ralo e sufocam a garota.
E falando de Beverly, a personagem é melhor desenvolvida e trabalhada, ela sofre bullying e é difamada como alguém que já fez sexo com todos os garotos da escola, além de ao que tudo indica, apesar de não ficar explicito, sofre abuso sexual por parte do pai.
Outro personagem interessante de se falar é Mike, o único garoto negro do grupo. Na primeira cena em que o vemos, ele está no abatedouro de ovelhas do avô e o homem lhe dá a pistola de ar e diz “Se você não meter uma bala, vai acabar levando uma bala” em uma referência disfarçada a perseguição e morte de pessoas negras por policiais nos Estados Unidos.
Inclusive este tem sido um dos assuntos debatidos nas series atuais de tv. Por exemplo, em American Horror Story – Cult estão trabalhando em cima dos males que a vitória eleitoral de Trump pode causar ao país, em Mr. Mercedes pegaram o viés dos confederados e agora em IT, abordaram a perseguição da polícia as pessoas negras. É bom ver esses assuntos sociais inseridos em materiais de entretenimento.
Cada um dos personagens tem suas peculiaridades, como por exemplo, Eddie, cuja mãe viúva é hipocondríaca e super protetora, o que impede o menino de ter uma vida normal. Em seguida temos Stan constantemente cobrado pelos pais judeus para que aprenda a tradição para seu bar-mitzva. No original Stan é um escoteiro e anda pela cidade trajando o uniforme. Por fim temos Bill, que com a morte do irmão passou a ser ignorado e hostilizado pelos pais, o que deixa claro que lá no fundo eles acreditam que se o garoto não tivesse feito o barco, Georgie ainda poderia estar vivo. O único personagem de quem não apresentaram a família ou o passado foi Ben, na primeira versão fala-se que o pai morreu em combate e ele e a mãe foram morar de favor na casa da tia, em Derry.
O filme aborda vários tópicos de fundo, além do terror e da aventura para destruir a criatura maligna. Como eu disse antes, temos racismo, abuso, assédio sexual, bullying, luto e perda, superproteção parental e, culpabilização da vitima, pois em uma cena tensa depois que o pai de Beverly a assedia, ela corre para o banheiro e diz ao espelho que tudo aquilo é culpa dela.
Muita gente está dizendo, erroneamente, que IT é um plágio de Stranger Things, mas isso é duplamente errado. Primeiro, para que algo seja plágio, ela tem de ter vindo após o material do qual estão acusando de ter sido plagiado. E IT (tanto o livro quanto a primeira versão de 1990) foram lançados antes de Stranger Things. Segundo, o próprio King e o diretor da série ST assumiram que ela é uma homenagem colcha de retalhos a vários materiais dos anos 80, no qual se encaixa outra adaptação de King. Conta comigo.
Em uma entrevista recente sobre IT, King declarou que o filme de Conta comigo foi uma espécie de teste embrião para a adaptação em filme de IT, quatro (não sete) garotos saem em busca do cadáver de um menino. (Bill e os amigos estão procurando o corpo de Georgie nesta versão).
Claro que por ser um remake, algumas cenas e situações foram trocadas ou invertidas, como por exemplo, é Beverly quem atira na Coisa e com um estilingue e balas de prata, não Mike com a arma de ar do avô. É Mike quem sabe sobre a história da cidade, não Ben, mas são detalhes totalmente releváveis, já que o conteúdo geral da história foi respeitado.
Algumas das minhas cenas preferidas foram, quando Pennywise aparece na tevê da casa do Henry Bowers e fala com ele através do programa de tv supostamente infantil. A cena que foi “carinhosamente” apelidada pelos curtidores da página Stephen King Kingdom como “Pennywise L’Oreal Paris” vulgo, cena dos slides, a cena da Coisa 3D sem o 3D e por fim, a sala dos palhaços na casa abandonada.
Esta sala é uma verdadeira tortura para quem tem coulrofobia (medo crônico de palhaços) mas, se você tem coragem e observar a cena com cuidado, vai ver um boneco representado o Pennywise da primeira versão em uma homenagem explicita à Tim Curry, o qual, infelizmente após sofrer um derrame em 2014 ficou impossibilitado de fazer qualquer aparição mais articulada em filmes.
Falando de casa abandonada, no livro e na primeira versão o local que dá entrada para o covil do palhaço é nos esgotos, entrando através da represa, mas aqui a coisa se dá por um poço que fica nos fundos de uma velha mansão, na qual, assim como um livro, Eddie vê um mendigo com uma condição muito avançada de doenças de pele (e eu preciso dizer que essa personificação da Coisa ficou ótima).
Não é a primeira história na qual um poço é o portal conectivo entre o nosso mundo e algo sobrenatural. Apenas para citar alguns outros materiais existe o conto de Lovecraft, o modelo de Pikett, onde uma criatura medonha sai de um poço antigo todas as noites, o Chamado, já que Samara foi assassinada em um poço pela mãe e sai dele sempre que alguém assiste a famigerada VHS e por fim, o silêncio dos inocentes, pois Buffalo Bill mantém suas vítimas presas dentro de um profundo poço construído dentro da sua casa. Fiquei aqui me perguntando se existe mesmo algum tipo de conexão macabra e assombrada entre poços e criaturas do mal.
Para quem leu os livros da saga A Torre Negra, eu senti que a tal casa era um bocado semelhante ao porteiro com o qual Jake tem de lutar para retornar ao mundo-médio, já que ambos têm vida própria.
A releitura das luzes da morte (ou seriam luzes mortais?) foi bem interessante também. Este é um dos poderes mais sinistro da Coisa e transforma a vítima em uma coisa catatônica e comatosa. É também nessa parte em que entendemos porque ele promete que as crianças “vão flutuar” lá embaixo.
O final é como qualquer outro filme juvenil, o monstro está morto (ou pelo menos é o que acham) e tudo acabou bem, mas eles fazem um pacto de retornar caso a Coisa volte. Sobem os créditos e então podemos ler: “A coisa – capitulo 01”.
O capitulo 02 está previsto para ser lançado entre 2018 e 2019, mas para quem assim como eu está esperando essa primeira parte do remake desde 2014, quando começaram os primeiros rumores, um ano (dois que seja) não é nada.
Eu gostei bastante da abordagem, da narrativa, da maquiagem, cenário, efeitos especiais, interpretação dos atores, Skarsgard em especial e do garotinho que fez o Richie (que por sinal é o Finn Wolfhard, o ator que faz o Mike em Stranger Things, talvez a confusão dos fãs de ST tenha saído daqui).
Só senti falta das frases de efeito e do humor cáustico do Pennywise, pois, enquanto o de Tim Curry nos cativava com suas piadinhas e palhaçadas, o de Skarsgard nos atrai pelo medo e o fascínio pelo estranho e o bizarro que sua interpretação única consegue causar. Mas, sempre tem a parte dois e eu estou torcendo muito para que eles mantenham a cena da biblioteca, uma das minhas favoritas. “Ei, a senhora tem Príncipe Albert em lata? Tem? Então deixe o coitadinho sair!”
Uma experiência única para fãs do King, de um bom terror psicológico e de materiais como Conta comigo, Os Goonies (e por que não?) Stranger Things. Recomendo muito, se está em cartaz na sua cidade e você não tem coulrofobia, vá ver!
Eles flutuam… E quando você estiver aqui embaixo comigo,você vai flutuar também!
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