Cronos
Eu sempre tive uma verdadeira relação de amor e ódio pelos filmes do Guillermo Del Toro, pois enquanto que por um lado eu acho fascinante os enredos desenvolvidos nos longas-metragens dirigidos por ele, por outro eu sinto verdadeira repulsa de alguns detalhes, especialmente visuais, apresentados nos filmes, pois é claro que uma das intenções de Del Toro é chocar o publico através do grotesco e absurdo, mesclando-o com o fantasioso e fantástico. E com Cronos isso não foi diferente.
Filme de estréia de Del Toro como diretor, datado de 1993, “Cronos” pode ser interpretado como uma fábula macabra sobre a busca pela vida eterna. O filme começa falando de um alquimista o qual estava procurando a formula para a imortalidade. Os anos passam e um dia, um prédio desaba e dentro dele residia o tal alquimista, agora uma criatura decrépita, um fiapo do que fora em vida. Ele permaneceu entre os vivos por todo esse tempo com o auxilio de um objeto chamado “Cronos” que garante a seu portador a vida eterna, mas, sob um preço bastante caro.
Aqui eu estou falando do mito do vampiro, mas não como estamos acostumados a ver com criaturas esguias de grandes caninos pontiagudos. Não, aqui a transmissão é feita através do tal objeto, que com a morte de seu criador, permanece oculto, dentro da imagem de um arcanjo de madeira, por mais alguns longos anos.
Até que a peça chega à loja de um antiquário, um senhor simpático que vive na Espanha com a esposa e a netinha. Tudo vai bem até que ele encontra o fatídico objeto escondido na base do arcanjo de madeira e sem saber o que é, acaba por ativar o objeto, que o “ferroa” como uma abelha e o infecta com o vírus vampiro e a partir daqui as coisas começam a se tornar bastante perturbadoras.
O homem tem sede e bebe uma jarra inteira de água, mas a sede não passa, ao mesmo tempo em que a ferida onde o objeto o acertou começa a coçar loucamente e como um viciado após experimentar a primeira dose de uma droga, ele utiliza o Cronos novamente, desta vez até o mecanismo fazer a função completa. No dia seguinte acorda e nota que está fisicamente mais jovem. Mas, não tem fome e a luz do sol começa a incomodá-lo.
Ao mesmo tempo uma grande empresa americana está a caça das imagens do arcanjo, pois sabe que o Cronos foi escondido dentro de uma delas. Um subordinado do dono da empresa, interpretado por Ron Perlman (o Hellboy), um capanga que tem um fetiche doentio por rinoplastia (cirurgia plástica do nariz) vai até o antiquário espanhol comprar a imagem, sem, no entanto saber que o objeto já foi retirado de dentro da peça.
Quando o homem chega ao antiquário, descobre que a loja foi arrombada e saqueada e em meio aos restos do que um dia foi sua loja, ele encontra um cartão de visita das “empresas Laguardia”, a tal empresa americana que comprou a imagem do arcanjo. E quando ele vai tirar satisfações sobre a invasão na empresa, fica a par da história por trás do artefato que encontrou dentro da imagem. O dono da empresa tem câncer terminal e vê no Cronos uma chance de escapar da morte.
Eu não sei qual foi a intenção de Del Toro com este filme, mas, no meu entendimento, o comportamento do homem com o objeto Cronos é quase como o de um viciado com doses diárias de uma droga nociva. Ele suporta a dor, o incomodo e o mal estar em troca de um rejuvenescimento forçado e perigoso e por não estar a par das informações sobre o preço cobrado pelo objeto em troca da vida eterna, fica na total ignorância e risco iminente de ter de se tornar algo incrivelmente horrendo. A partir daqui a coisa se desenrola pendendo para um elemento fantástico, com nuances de vingança a ser realizada.
Assim como Veludo azul foi uma espécie de laboratório para Twin Peaks, Cronos tem diversos detalhes que mais tarde seriam revisitados em The Strain, série de tevê com três temporadas, adaptada da trilogia das trevas, escrita por Del Toro e que também falam de uma transmissão do vírus vampiro por uma forma diferente da convencional.
O filme trabalha com temas como a promessa da juventude eterna, a ganância, o luto, a perda e a tristeza de ver um ente querido sucumbir a um vicio. Tudo isso misturado com doses de terror e sobrenatural na medida correta.
É um material bastante impactante, mais por seu teor emocional do que pelo elemento terror e gore e preciso admitir que é também uma produção bastante ambiciosa para um primeiro trabalho de um (na época) jovem diretor. Del Toro consegue nos guiar através das nuances delicadas não apenas do tópico vampirismo, mas também das várias informações humanas que se seguem a partir da última meia hora do filme.
Pode-se dizer que este filme foi o embrião para todas as outras grandes produções de Del Toro que misturam o horror com o emocional humano e causam tanto incomodo e mal estar nos espectadores.
O filme faz questionar qual o benefício da vida eterna se você está sozinho no mundo, sem ninguém conhecido para compartilhar das “maravilhas” oferecidas por este “dom”. eu senti uma forte solidão vendo o desenrolar do personagem principal, que quase no final do filme descobrimos se chamar Jesus.
E aqui está outro detalhe importante sobre este filme, Del Toro utiliza de diversas metáforas religiosas fazendo comparações entre a vida eterna vampírica e aquela prometida aos fiéis na pós-vida, além, claro do nome do personagem principal e algumas outras menções comparativas entre religião e insetos.
Vale ressaltar aqui que se você é um religioso fervoroso, esse filme não é para você, por conta destas comparações sutis. Também vale frisar para os fãs mais assíduos do mito do vampiro, que todos os elementos base, incluindo intolerância a luz do sol e um caixão para passar o dia, estão presentes no longa-metragem.
Enfim, é um filme bem interessante, com um final bastante tocante e comovente, uma releitura do mito do vampiro adaptado de forma incrivelmente bem desenvolvida, além de ser uma metáfora do sobre a vida, a morte e o preço da vida eterna, quando não se tem nenhum ente querido por perto.
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