D Apres Une Histoire Vraie
Eu acompanho alguns canais no youtube e em um deles, fiquei sabendo do lançamento deste filme, mas não pelo enredo ou por qualquer detalhe interessante, mas sim porque o dono do canal ficou muito irritado com a tradução que fizeram do titulo, para os cinemas brasileiros.
“D Apres Une Histoire Vraie” pode ser traduzido como “Baseado em uma história real”, mas, os incompetentes das distribuidoras brasileiras fizeram o favor de traduzir como “Baseado em fatos reais” e esse responsável por esse canal frisa, todas as vezes que se são fatos, já são reais, então esta frase é um pleonasmo (como entrar para dentro e sair para fora).
Bem, após esse contexto base que me fez ir atrás deste filme (o que não foi fácil, eu só encontrei o torrent em um fórum de downloads asiáticos e a legenda, sabe-se lá onde), mas vamos ao que interessa, o filme em si.
Delphine (Emmanuelle Seigner) é uma famosa escritora de Best Sellers a beira de um colapso nervoso. O longa-metragem começa apresentando uma noite de autógrafos da escritora, que em dado momento diz que não consegue mais suportar e precisa ir embora. Deixando para trás uma longa fila de fãs descontentes por não conseguirem o autografo. Mas antes disso, uma mulher misteriosa consegue burlar a segurança na livraria e pede para que Delphine a autografe o seu exemplar. Mas a escritora se nega.
Ela é levada por sua agente a uma festa, na qual não queria ir, mas onde reencontra a mulher da livraria e então, Delphine enfim autografa o exemplar da moça, que se chama Elle (Eva Green). Elas têm uma conversa sobre o processo criativo de Delphine e a pressão do sucesso e da família.
Vemos um pouco do cotidiano da escritora, ela mora sozinha, os filhos já cresceram e foram embora e ela mantém um relacionamento com um homem que às vezes a convida para sair e então, recebemos uma nova dose de Elle. Descobrimos que esta moça enigmática é uma ghost writer (ou seja, escreve livros que terão a autoria assinada por outras pessoas) e aos poucos as lacunas começam a ser preenchidas, pelo menos por um dos lados.
E aos poucos as coisas começam a ficar estranhas. Ao sair de um carro lotado do metrô, o qual Elle e Delphine dividiam espaço, a escritora descobre que um compartimento de sua bolsa foi aberto e os cadernos com as anotações particulares de seu próximo romance, foram roubados. E está é apenas a primeira das coincidências suspeitas que passam a acontecer. No dia seguinte a escritora descobre que Elle mora em um prédio de frente para o seu e que ela “pode vê-la do seu apartamento”.
A partir daqui as duas começam a desenvolver uma espécie de amizade, mas que aos poucos demonstra ser bastante venenosa por parte de Elle, mas, a ingenuidade demonstrada por Delphine ao não perceber na armadilha que está se metendo, iludida pela promessa de uma amizade feminina, que ela acredita ser sincera é quase palpável enquanto que nós que vemos a situação de fora, podemos notar os perigos logo no começo e ficamos desesperados de não poder alertar a personagem dos riscos.
Existem alguns detalhes que são os sinais de alerta de uma psicopata muito inteligente invadindo na vida de Delphine, mas a mulher parece alheia a essas informações gritantes e apenas permite que Elle vá aos poucos metaforicamente, entrando sob sua pele e vestindo-a como uma peça de roupa. O desenrolar deste detalhe é bastante arrastado e sutil, mas, igualmente incomodo e como uma aranha ardilosa, Elle vai tecendo sua teia em volta da ingênua Delphine.
O filme tem um desenrolar lento, aumentando a tensão gradativamente e nos apresentando as informações sobre as personagens em um ritmo de conta-gotas agoniante, o que serve para criar o clima de suspense e tensão que sustenta o longa-metragem, tão diferente dos blockbusters de terror-slasher vendidos aos baldes por Hollywood. Este aqui é um filme para o pessoal que tem paciência e sabe esperar por aqueles momentos de choque e horror únicos e imprevisíveis.
Além do fator contraste estético entre as duas personagens, enquanto Delphine tem uma aparência abatida e acabada, bastante envelhecida, Elle exala juventude e feminilidade e ver uma ao lado da outra é um verdadeiro choque visual, enquanto a escritora famosa e conhecida tem a aparência de uma pessoa fisicamente acabada, a ghost writer é fisicamente saudável e vívida.
A parte das interpretações óbvias, “D Apres Une Histoire Vraie” pode ser lido como uma representação visceral do que é um relacionamento tóxico, pois vários dos comportamentos padrões são apresentados e aos poucos a coisa toda acaba se transformando em dominação e posteriormente, em tortura e ameaça. E ainda assim, o filme tem um alto teor de tensão sexual entre as duas personagens, chegando quase a ser palpável.
Em diversos pontos o filme me fez pensar que em “Misery – Louca Obsessão”, com nuances de “Janela secreta”, pelas cenas chave bastante semelhantes a estes dois conteúdos, incluindo o fato da protagonista ser uma escritora e alguns outros acontecimentos futuros dentro do filme.
Também existe outra interpretação sob o ponto de vista comportamental de Delphine, não fica bem explicitado no filme, mas tudo leva a crer que ela tem depressão e tem algumas cenas da Elle falando com Delphine que apenas quem lida com essa doença consegue compreender o quão insuportáveis são, na maioria, são sequências em que responsabilidades sociais são cobradas da autora. Pessoas com um grau alto de depressão não conseguem cumprir compromissos. Elas aceitam e dizem que estarão lá ou farão algo, mas no dia em questão, não conseguem. E isso fica claro em Delphine.
E aqui vão algumas curiosidades, este filme é do Roman Polanski, responsável pela “trilogia dos apartamentos” e o prédio em que Delphine mora, lembra muito o retratado no filme “O inquilino”, talvez como uma homenagem indireta a famosa trilogia de filmes do diretor e o filme foi adaptado do livro de mesmo nome escrito por Delphine De Vigan.
Enfim, apesar de ter sido vendido erroneamente como um filme de terror, D Apres Une Histoire Vraie é na verdade um suspense delicioso com incrível protagonismo feminino, uma brincadeira torturante de gato e rato que nos faz ansiar pelo desfecho a cada novo minuto avançado no filme, além do uso de algumas cenas metafóricas bastante fortes e um final igualmente perturbador e que me deixou com algumas dúvidas sobre a existência de Elle.
“Para Elle.”
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