Big little lies
A verdade é que eu estive protelando de ver esta série, porque, quando li a sinopse não senti muito interesse por ela, apesar de ser grande fã das atrizes principais. Mas eis que eu entrei num estado de abstinência de séries, já que as poucas que estava acompanhando tinham atualizações muito esparsas, então pensei, por que não dar uma chance?
Esta série da HBO que tem apenas 07 episódios de aproximadamente 50 minutos cada é um misto bem trabalhado de suspense policial e drama doméstico que não me deixou desgrudar os olhos do monitor até ver o fim. Tudo começa com um cadáver que foi encontrado no pátio da escola durante uma festa temática para arrecadar fundos.
E aos poucos somos apresentados as personagens principais da história. Mães. Daquele tipo que a gente só vê em filmes americanos, aquelas mães que fazem bolinhos, levam os filhos na escola, ajudam no dever de casa, modelos. Pelo menos essa é a cobertura de verniz que nos é apresentado no começo, porque aos poucos a série começa a descascar a cobertura e expor um interior bastante perturbador e até traumático.
Madalaine, interpretada pela Reese Whiterspoon, é uma mulher no segundo casamento, mãe de duas filhas e que preenche todo seu tempo livre com atividades artísticas, em uma tentativa desesperada de dar sentido a sua vida. Celeste, interpretada pela Nicole Kidman, é mãe de gêmeos e abandonou a carreira bem sucedida de advogada para se tornar dona de casa pelo marido e inicialmente, achamos que eles são um casal feliz. Preste atenção, eu disse “achamos”. Por fim temos Jane, interpretada pela Shailene Woodley, (saga Divergente), mãe solteira do pequeno Ziggy, sim, como Ziggy Stardust e fica logo claro que ela carrega um passado sombrio relacionado a gestação do garotinho.
A coisa toda começa a tomar forma quando uma das crianças, uma menina, acusa Ziggy de ter tentado estrangulá-la durante a aula na pré-escola. Madalaine compra a briga de Jane e as mães se dividem em dois grupos. Em paralelo a essa história, temos as investigações da polícia para descobrirem quem foi o responsável pela morte do cadáver encontrado na escola. Então se trabalha com dois períodos temporais em paralelo.
Vou dizer aqui que lá pelo fim do episódio 03 eu já tinha todas as minhas teorias, não só de quem era o pai do pequeno Ziggy, como também quem era o cadáver encontrado na escola, já que o gênero da pessoa não é explicitado em nenhum momento na série. É divertido fazer o trabalho de detetive e somar as pistas.
E conforme os pequenos segredos sujos das personagens vão vindo a tona, eu pude ir formando minha opinião sobre cada um deles. A série aborda de forma sincera o relacionamento abusivo, seguido do ciclo vicioso de abuso-culpa-perdão e a culpabilização da vítima, que acaba acreditando “gostar” daquilo, quando está claro que na verdade ela foi condicionada a aceitar os abusos tanto físicos quanto psicológicos em troca da sobrevivência, além do fator controle, que o abusador costuma impor de forma disfarçada sobre a vítima. (e sim eu estou me referindo a um “relacionamento de um casal casado”). E também existe um enredo secundário sobre abuso e violência infantil.
Vale citar que a série também apresenta de uma forma bastante cuidadosa uma cena de estupro. Algo um tanto quanto impossível tendo em vista o conteúdo da cena, mas tirando base por outros materiais que eu já vi que abordaram o tema, este aqui foi o que teve mais tato ao representar uma cena tão perturbadora e chocante.
Agora não posso dizer que é tudo uma maravilha na série, existem alguns momentos totalmente desnecessários, como o excesso de música e citações a artistas, totalmente descartáveis, incluindo uma cena sem noção em que as personagens cantam junto com o rádio (que como várias outras menções a musicas, parecem terem sido enfiadas goela a baixo para divulgar as faixas e os artistas tocados na série) e o excesso de cenas de sexo hétero fora de contexto, muitas delas beirando violência sexual, que me incomodou bastante, mas era algo de se esperar de uma série produzida pela HBO.
É interessante poder ver duas atrizes que povoaram minha adolescência, agora maduras, interpretando papéis de mulheres que lutam para permanecer fortes e firmes perante todas as adversidades e abusos sofridos diariamente. É uma série que se você já passou dos vinte anos, com certeza, independente do seu gênero em algum momento vai se identificar com algum dos personagens.
Sobre o roteiro, é inteligente e bem desenvolvido e as informações são passadas para o espectador em um ritmo lento e cadenciado, nos fazendo juntar as peças do quebra-cabeça a cada episódio para aos poucos poder ter o quadro completo.
O titulo pode ser lido de várias formas, “Big little lies” que ao pé da letra significa “Grandes mentirinhas” pode ser interpretado tanto como mentiras inocentes que as crianças contam (inclusive a da garotinha que desencadeou a coisa toda) ou informações que as personagens acreditam não serem importantes e decidem mentir para ocultar, mas, que com o desenvolvimento da série, fica claro que, essas omissões são muito mais nocivas do que elas acreditavam ser.
Existem alguns pontos em que a série me lembrou muito vagamente outras séries protagonizadas por mulheres como Desperated housewives e Sex and the City, a diferença é que esta aqui tem profundidade de enredo, personagens completas e que precisam lidar com traumas e problemas complexos e mostrar que podem ser mais além de mães, podem ser mulheres capazes de tomar as rédeas das próprias vidas.
Vale citar que nenhum dos personagens homens da série é de confiança, gentil, amável ou humano. Todos eles, em algum momento, pisam feio na bola de uma forma que não dá pra simplesmente fingir que não fizeram coisa errada. E essa representação deles é interessante, pois, em praticamente todas as séries sobre relacionamentos que eu assisti até hoje, e não foram poucas, os homens estão sempre certos, nunca cometem nenhum erro ou fazem alguma ação passível de julgamento e as mulheres, bom, elas são sempre representadas de forma oposta. Mas não nesta série.
Por outro lado, a série trabalha muito bem a sororidade, que é o apoio mutuo entre mulheres em momento de necessidade. É quase gratificante ver que elas se preocupam umas com as outras, destaque para a terapeuta de Celeste que a auxilia em um momento bastante tenso e complexo.
Também queria citar que no elenco temos Alexander Skargard, irmão do Bill Skargard que faz um verdadeiro cafajeste nojento e Zoe Kravitz, filha do cantor Lenny Kravitz, que interpreta uma das mães, toda zen e liberal, o que, no final das contas não é uma coisa assim tão boa.
Enfim, recomendo esta série para quem quer um drama com pitadas de um suspense muito bem desenvolvido e que claro, tenha estômago para lidar com os tópicos tensos que eu apontei mais acima no texto, porque vou dizer pra vocês, eu tive de fazer um grande esforço para ir até o fim, afinal, se tem duas coisas que me dão um misto de ódio e ânsia de vomito é ver cenas (mesmo fictícias) de mulheres apanhando ou sendo violentadas. A impotência que me toma quando eu me deparo com esse tipo de cena é brutal. É uma série forte e que vai te causar mal estar, isso é se você for humano.
Para finalizar queria deixar um alerta para os que estão lendo esta review, se você passou por uma ou até pelas duas situações de violência abordadas na série (estupro e/ou relacionamento abusivo) não assista Big Little Lies, porque vai te fazer muito mal. E eu não quero que você se sinta mal. Eu quero é que você lute e se fortaleça antes de ter contato com esse tipo de enredo.
“Por que mentir?”
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