À l'intérieur

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 Muito lentamente eu tenho entrado na área do cinema estrangeiro e experimental, ou seja, de filmes que não foram produzidos nos Estados Unidos e nem focando o grande público consumidor. Nesse curto período eu já tive o prazer de assistir filmes sul-coreanos, australianos, russos, gregos e franceses. Como é o caso deste filme que vou falar hoje.
À l'intérieur ou A invasora, é um filme de 2007 produzido pelo movimento New French Extremity, famoso por suas produções viscerais, chocantes e perturbadoras e do qual também vieram os filmes Martyrs e Alta Tensão. A sinopse que fazem deste filme é muito fraca e vazia “Uma mulher grávida é perseguida dentro da própria casa por uma estranha que quer desesperadamente tomar o bebê dela”. Quero dizer, há muito mais elementos neste filme do que esta sinopse seca pode apresentar.
A película é curta, tem 1h19 de duração e já começa com uma cena impactante. Vemos um bebê dentro do útero e então, um choque, o carro em que a grávida estava sofreu um acidente. A quantidade de sangue utilizada na cena é o bastante para causar desconforto em qualquer um que tenha um coração e não uma bomba injetora no peito. É possível deduzir que algo de ruim aconteceu com o bebê, apesar de nada ser confirmado abertamente. E a sequência inicial com os créditos segue a mesma linha sanguinolenta e perturbadora.
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Passam-se quatro meses. A moça, que se chama Sarah, está grávida. (Novamente, deduzimos que é uma segunda gravidez, por conta do fato de que no acidente ela já apresentar uma gestação bem avançada). Ela demonstra um comportamento bastante anti-social e agressivo, dizendo que quer passar o ultimo natal antes de dar a luz, sozinha em casa.
Vou adiantar aqui que caso você resolva ver este filme, não espere uma avalanche de informações e cenas de perseguição. A invasora é um filme de arte e não direcionado ao publico consumidor de blockbusters, então, ele tem uma narrativa lenta e cuidadosa, o que pode desagradar certas pessoas.
O filme vai construindo o roteiro de fundo aos poucos, nos apresentando informações num ritmo de conta-gotas misturadas com cenas de extrema violência e choque. Pode-se dizer que o enredo apresenta várias nuances diferenciadas do terror, a perseguição, o terror psicológico, a violência e claro, cenas extremas.
A coisa toda começa a ganhar forma quando durante uma nevasca na véspera de natal uma mulher estranha bate a porta de Sarah, perguntando se pode usar o telefone (e ao ver a cena, no mesmo momento me lembrei do golpe usado por Alex em Laranja Mecânica para fazer suas vítimas abrirem a porta). Sarah nega e diz para que a mulher vá embora, que seu marido está dormindo. E aqui as coisas começam a ficar assustadoras.
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A estranha diz “Seu marido não está dormindo, Sarah. Está morto. Agora me deixe entrar”. Com a ameaça de chamar a polícia feita pela protagonista, a outra mulher sai da porta da frente e aqui começa um pequeno jogo de gato e rato em que a grávida vê a estranha rondando sua casa.
Em certo momento, como diz o título do filme, a estranha, a invasora, entra na casa, ela revista os cômodos enquanto Sarah está dormindo num sono pesado. Ela pega um vidro de álcool, uma enorme tesoura e um rolo de gaze no banheiro. E a partir daqui as coisas ficam extremamente perturbadoras e gráficas. E apesar de eu ter dito que o desenvolvimento é lento, tudo isso, até o momento do ataque quase fatal da grávida, se desenrola nos primeiros 25 minutos do filme.
O enredo de fundo social do filme apresenta aquela grande revolta civil que aconteceu na França nos anos 2000, com assassinatos e todo o tipo de violência contra pessoas em geral.
Um ponto a se destacar no filme é a importância das personagens femininas, e não estou falando apenas de Sarah e de sua perseguidora, mas também da policial que atende ao pedido de socorro da grávida, ainda no começo do filme. No desenrolar do filme nota-se que os personagens masculinos são os coadjuvantes e as femininas, as principais, não importando o quão pequenos sejam seus papéis.
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Outro detalhe interessante é que, podemos ver as reações do bebê, ainda dentro do útero de Sarah, aos golpes e ataques que a mãe está sofrendo. E como em qualquer bom filme de reféns, vemos as chances de salvação de Sarah há apenas alguns centímetros e então, escapando por entre os dedos.
A interpretação do elenco é incrível e a fotografia nos faz pensar que estamos assistindo algo produzido no começo dos anos 2000, final dos anos 90, especialmente pela coloração e granulação das imagens.
Antes de eu terminar a review, um pequeno alerta para você que leu até aqui e está com interesse de ver o filme, um animal é morto durante o longa-metragem. Claro que não de verdade, mas, cenograficamente o bicho de estimação de Sarah é morto pela invasora em um acesso de fúria da mulher. Então, se você não consegue suportar sequer a menção ficcional do assassinato de um animal, das duas uma. Não veja o filme ou pule a cena dos 00:41:58 até os 00:43:30.
Enfim, “À l'intérieur” é um filme claustrofóbico e torturante em que sofremos junto de Sarah e somos bombardeados com cenas inadvertidas de violência explicita e com direito a muito sangue, mas, pasmem, apesar da crueza explicita das cenas, nada ali é jogado para o espectador pelo simples fator de causar repulsa, não, as cenas mais perturbadoras e visualmente gráficas, são colocadas para mexer com o nosso emocional e com as reações primitivas que a grande maioria de nós expressa ao ver, por exemplo, uma pessoa ter o pescoço perfurado de fora a fora com uma agulha de tricô.
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Este não é um “torture porn” (filmes de terror onde cenas de extremamente longas de tortura, assassinato e outras atrocidades são apresentadas apenas para o “prazer” do espectador). Por mais perturbadoras e horrendas que sejam as cenas de “À l'intérieur” cada uma delas tem total significado e coerência de enredo.
O filme também é uma produção inteligente e bem desenvolvida, especialmente os detalhes como os sonhos premonitórios de Sarah ou os momentos em que a invasora parece estar tendo algum tipo de pane mental, estas cenas indicadas por um travamento ocasional do vídeo.
Foram os 80 minutos mais incômodos que eu já vi e com um final impactante e perturbador, incluindo o real motivo da invasora perseguir Sarah. O filme é sem dúvida uma bela peça do terror moderno, uma das melhores produções sobre invasão domiciliar, perseguição e reféns que eu já vi até hoje.
Você pode encontrar o filme completo dublado no youtube, mas eu recomendo muito que você tente ver a versão original em francês. É uma experiência única. 
Curiosidades:
·         O filme quase não tem trilha sonora, com exceção da musica de abertura e uma ou duas faixas instrumentais, mas, nos momentos críticos somos apresentados a uma série de sons agudos, abafados e perturbadores que acrescentam para criar a atmosfera incômoda.
·         Este foi o segundo filme, não estadunidense, que eu assisti cuja protagonista era uma mulher grávida. O outro foi Prevenge.
·         Como é de praxe dos americanos, há uma previsão de lançamento de um remake de “À l'intérieur”, com o titulo de “Inside” (Dentro). Os diretores do filme original não estão envolvidos no remake, diferente do que aconteceu com o remake de “Violência gratuita”, o qual foi dirigido pelo próprio Michael Haneke (diretor do original).
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