O violino vermelho
Eu sempre gostei muito de musica clássica, especialmente violino e piano, então, quando me deparei com o pôster deste filme e vi o quão ambicioso parecia ser o enredo dele, não pensei duas vezes e baixei o arquivo. Na verdade, me lembro vagamente de ter visto alguma propaganda sobre o filme num canal da tevê aberta, mas faz muito tempo já e eu ainda era muito criança e não me interessei em assistir. Para vocês verem como quando a gente amadurece, o que antes parecia desinteressante se torna bastante atraente.
A história começa na Itália renascentista, no ateliê de um grande fabricante de violinos. A esposa do homem está grávida, prestes a dar a luz e pede para a cozinheira tirar sua sorte, as previsões são bastante alarmantes e alguns dias depois a moça entra em trabalho de parto. Tanto ela quanto o bebê morrem e desesperado com a perda de toda a sua família, o fabricante de violinos faz algo extremo para que a memória da esposa permaneça viva para sempre. Ele enverniza o violino que havia forjado para seu filho natimorto com o sangue da moça, o que cria “o violino vermelho” do titulo.
E então nós acompanhamos a trajetória do instrumento através dos séculos e por diversos pontos do mundo, passando pelas mãos das mais variadas pessoas e causando um misto de fascínio e fixação em cada um dos seus donos.
Após esta breve apresentação da origem do objeto, somos levados a um leilão milionário nos Estados Unidos, onde a peça da vez é o tal violino. E entre cada período de vida do instrumento, vislumbramos detalhes do leilão opulento em que as pessoas não medem esforços e nem quantias, para serem donas do objeto.

A seguir somos apresentados ao treinamento de um prodígio violinista, Kaspar Weiss, o qual era um pequeno órfão alemão e que ao demonstrar talento manuseando o tal violino vermelho, sob ao status de jovem fenômeno musical. Mas seu fim é trágico e começamos a duvidar se não existe alguma espécie de maldição no instrumento.
Cada “período de vida” do violino é intercalado com um trecho da leitura da sorte feita pela cozinheira à esposa do artesão. Ela começa dizendo que prevê que a moça fará uma grande viagem e será adorada, amada e odiada por muitos. Conforme o filme vai desenrolado nós percebemos que esta previsão é para o sangue que serviu de verniz ao violino, ou seja, a essência da moça.
O objeto então vai parar na mão de uma caravana de ciganos, muitos anos após o ocorrido com o jovem órfão. Lá ele permanece por o que parece ser mais uma centena de anos (pois ele esteve nas mãos do orfanato por mais de cem anos) e então, voltamos ao leilão, agora um grupo de monges, que eu acredito serem da ordem responsável pelo orfanato, estão tentando adquirir o violino.
Agora estamos na era Vitoriana, os ciganos ainda estão de posse do violino, até que um homem, Lorde Pope, que se diz dono das terras onde a caravana está acampada, pega o instrumento “emprestado” e coloco isso entre aspas porque vocês sabem não é? Um homem branco e inglês pegando algo “emprestado” de uma caravana de ciganos, jamais irá devolver o objeto. Ocorre outro desfecho trágico, regado a muita luxúria, prazer e insensatez por parte do nobre inglês.

Mais um pouco do leilão e então descobrimos o paradeiro do violino, ele está na posse do ex-criado de Pope, um homem chinês, agora já bem mais velho.
Chegando a sua cidade natal, ele vende o instrumento para uma loja de penhores, onde o violino permanece em exposição na vitrine por anos. É o governo de Mao Tsung, um pouco antes da revolução cultural e o violino foi comprando por uma mulher para a filha pequena.
O foco muda então para um professor de musica, que foi preso pelo partido comunista, já que segundo as diretrizes do regime, música clássica (chamada por eles de musica estrangeira e capitalista) é proibida. Esse trecho do filme é uma verdadeira violência contra a música e as formas de expressão livre. E o pior de tudo é saber que isso realmente aconteceu.
E finalmente chegamos aos tempos atuais, quando o violino passa por uma série de testes para confirmar a autenticidade do seu criador antes de ir para o leilão.

Existe um quê de sobrenatural no roteiro que nós faz questionar se é o musico que é bom ou se é o violino que o torna tão prodigioso e capacitado para exercer as melodias e se for a segunda opção, certamente, há alguma influencia no fator do instrumento ter sido envernizado com o sangue humano de uma mãe que faleceu no parto.
Na verdade a lenda do violino demoníaco já foi abordada em uma série de materiais para televisão, como as séries de tevê “Além da imaginação” e “666 Park Avenue”, mas, como em ambos os casos focava-se apenas no sobrenatural nu e explicito, acredito eu, perdeu-se um pouco o charme da lenda, enquanto que em “O violino vermelho” tal menção fica subentendida e totalmente a cargo da dedução do expectador.
É um filme bastante ambicioso, sem, no entanto se tornar egocêntrico e megalomaníaco, como aconteceu com algumas outras produções mais recentes e uma verdadeira experiência poliglota em termos de roteiro e produção, já que é falado em pelo menos cinco idiomas diferentes (italiano, francês, alemão, chinês e inglês e por isso eu recomendo veementemente que você assista a versão original legendada) e pela gama diversificada de épocas históricas que aborda de forma magistral e bastante competente. Além de ter uma narrativa alinear, pulando entre passado e presente de uma forma a intercalar as duas narrativas de uma forma que nos obriga a prestar total atenção no filme, para não perder nenhum detalhe.

No quesito desenvolvimento de enredo o filme é extremamente primoroso, nos mostrando não apenas a evolução do uso do instrumento musical, como também as peculiaridades musicais únicas de cada época e etnia que toca o violino, nos apresentando uma gama bastante variada de estilos musicais. Além de que nos últimos 20 minutos do filme, tem uma cena rápida muito linda, em que vemos através das fendas do violino, como se o instrumento estivesse observando.
Gostaria de alertar que uma determinada cena é repetida no fim de cada segmento narrativo da trajetória do violino, por tanto não se irrite quando ver a mesma cena pela quarta ou quinta vez no filme, pois ela é muito importante, já adianto.
Este filme é de 1998, ou seja, agora em 2018 ele está completando 20 anos, mas continua sendo uma peça de arte atemporal e de extrema delicadeza, com uma narrativa deliciosa e que nos prende e nos faz ansiar pelo desfecho. E vale citar também que para os fãs da musica clássica, a trilha sonora é uma deliciosa surpresa, pois apresenta uma variedade incrível de interpretações musicais diferenciadas possíveis de serem executadas em um violino.

Agora para o pessoal fã de um blockbuster fast food, adianto que este filme não é para vocês, pois além de ele ter a duração de 2h10min também tem um desenrolar lento, demorando-se um pouco em cada uma das épocas nas quais o violino viveu e dando tempo para que o espectador colete as diversas nuances delicadas de cada sequência de imagens.
E lembrando que, apesar dos detalhes sobre o elemento sobrenatural que eu citei mais acima, este aqui não é um filme de terror ou suspense, é um drama histórico muito bem desenvolvido e amarrado com fios delicados de componentes extraordinários e com simbolismos igualmente deliciosos, além é claro de ser uma critica ao consumo desmedido de objetos absurdamente caros e muitas vezes adquiridos apenas para saciar a própria vaidade e ego.
Enfim, este filme foi uma grata e deliciosa surpresa que me encantou durante suas 2h10min de duração me fazendo apreciar cada segundo e surpreendendo com um desfecho no mínimo incomum e ao mesmo tempo bastante tocante, eu o recomendo para fãs de filmes históricos, sobre musica clássica e fãs de um bom enredo multitemporal.

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